ESPIRITUALIDADE DO “OUTRO MUNDO” NA
COSMOVISÃO ECOLÓGICA - O “OUTRO MUNDO” É POSSÍVEL? (III)
Pe.
Nicolau João Bakker *
Introdução:
O presente artigo dá seqüência a outros três, publicados
em Grande Sinal 2012/3,4 e 5, onde
falamos da “espiritualidade do outro mundo” nas cosmovisões teológica e
antropológica. Para uma melhor compreensão do que segue aconselhamos reler
estes dois textos. A fé no “outro mundo” ocupa um lugar central em qualquer
espiritualidade cristã. Sua configuração geral, no entanto, depende muito dos
diferentes contextos históricos. Usando como fio condutor o exemplo de vida e
as palavras dos nossos “mestres - ou mestras - espirituais”, tentamos
demonstrar que, tanto a espiritualidade quanto a ação concreta da Igreja,
sofrem uma poderosa influência da cosmovisão de cada época. Durante muitos milênios,
a única cosmovisão existente era a teológica. A partir do Séc. XVI se firmou,
particularmente no mundo ocidental, uma nova cosmovisão, a antropológica. E,
desde o século passado, somos todos/as, querendo ou não, fortemente
influenciados/as por mais outra cosmovisão, a ecológica.1
Cada cosmovisão
constitui uma “fonte geradora de sentido” para qualquer ser humano. Definimos a
cosmovisão teológica como a concepção onde “Deus, ou o mundo das divindades, é
a explicação de todas as coisas e todos os eventos”. Já na cosmovisão
antropológica, Deus é deixado de lado e a “razão humana” torna-se o grande
critério do crer e do agir. Vimos que, mudando a cosmovisão, nossos mestres
espirituais também mudaram seu modo de vivenciar a fé. Com isso não a empobreceram,
ao contrário, a enriqueceram, demonstrando que a inesgotável riqueza do
Espírito de Deus faz brotar sempre algo novo, de acordo com as circunstâncias.
“Vinho novo em odres novos”, dizia Jesus.
A “espiritualidade do outro mundo” será, mais uma vez, diferente
na cosmovisão ecológica. Quando o Fórum Social Mundial, em cada uma de suas
edições, se pergunta se “outro mundo é possível”, na verdade não tem dúvida
sobre a existência de um “outro mundo”. A questão que se coloca é: que “outro
mundo” é este? Qual sua configuração? Como concebê-lo? Temos dito que a fé no
“outro mundo” é a fé da humanidade. Todas as religiões, em todas as épocas, se
colocaram as mesmas perguntas: de onde eu vim, e para onde eu vou? O mundo que
temos nunca nos satisfaz. Buscamos sempre algo melhor. Por quê o ser humano é
assim?
A insatisfação com o mundo que conhecemos parece ser a
raiz da espiritualidade humana. Em Vida
Pastoral No280/2011 explicitamos melhor esta possível “matriz”
da religiosidade. A cosmovisão ecológica ressalta a interdependência “no todo”
da realidade. Tudo que tem “vida” tem também a mesma marca da interdependência.
Separando uma parte, ela morre. Os grandes avanços da biologia evolutiva
mostraram que o ser humano tem sua raiz na natureza. Sua “casa” é a
oikos-terra. Seria muito estranho a razão humana ter uma existência
independente desta sua origem. Quando os cientistas, no decorrer da cosmovisão
antropológica, puseram sua confiança, exclusivamente, na razão, cometeram, como
acreditamos hoje, um “equívoco antropológico”. Com freqüência propuseram
soluções que se provaram péssimas para uma melhor qualidade de vida no mundo. Nem
a Igreja escapou da tentação. Vimos, nos artigos anteriores, que a
Igreja-Instituição desenvolveu, a partir da Idade Média, uma poderosa
espiritualidade do poder cujo centro é a “fidelidade à doutrina”. A
racionalidade das teologias escolástica e neo-escolástica nunca a questionaram.
Por baixo dos panos, porém, o povo cristão, em larga escala, continuou se
alimentando de uma outra espiritualidade, a “popular”, centrada na emoção e na
“fidelidade ao Espírito”. Antropologicamente, o ser humano não é apenas razão.
O que o faz agir, talvez muito mais, é a emoção.
A busca por um outro mundo melhor é inerente à própria
vida. Esta se caracteriza por uma “dinâmica evolutiva”. Em todas as suas etapas,
a vida sempre evoluiu do mais simples ao mais complexo, de menor “qualidade”
para maior qualidade. Teilhard.de Chardin (†1955), em seu tempo, percebia um
processo de “amorização” ou um processo “crístico”, mas isto talvez seja mais
sonho do que realidade. Hoje se entende que o futuro é uma página em branco, e
nada impede que haja, momentaneamente, passos em falso, ou para trás. A longo
prazo, no entanto, a vida está sempre em busca de melhor qualidade.
Espiritualidade, ou religiosidade, parece ser a
encarnação desta busca. Ela é, portanto, anterior à Revelação Cristã. A
Revelação e Tradição Cristãs constituem uma entre muitas outras encarnações
desta busca. Para nós, sem dúvida, a mais preciosa, e – como, recentemente,
Bento XVI, em Dominus Jesus No5, fez questão de ressaltar - plenamente
satisfatória em termos de “salvação”. O que não nos autoriza, porém, a
menosprezar outras buscas que podem ser igualmente satisfatórias. A cosmovisão
ecológica ressalta a interdependência nesta busca comum por maior qualidade de
vida. Deixemos que falem, mais uma vez, nossos “mestres espirituais”. Será que,
para eles, o “outro mundo” ainda é possível?
I
A “espiritualidade do outro mundo” nos mestres espirituais da atualidade
Como primeiro
grande místico que revela traços da cosmovisão ecológica podemos indicar Charles de Foucauld (†1916). Filho da
pequena aristocracia católica francesa, recebe boa educação religiosa, mas,
quando jovem, perde totalmente a fé. A doutrina apresentada não lhe convence. Aluno
indisciplinado da Academia Militar, esbanja uma rica herança familiar.
Decepcionado, abandona sua promissora carreira militar em 1882 e passa um tempo
em Marrocos. Ganha até uma medalha da Sociedade Francesa de Geografia por
explorar em profundidade a cultura marroquina. Impressiona-lhe muito a fé
simples, mas profunda, dos povos (muçulmanos) do deserto. Angustia-se com sua
própria falta de fé e, como escreve depois, repete interiormente: “meu Deus, se
você existe, mostre-se a mim!” Numa viagem a Paris encontra o Pe. Huvelin cujos
bons argumentos e testemunho pessoal o convencem. Será seu eterno amigo.
Huvelin o faz confessar-se, e sua conversão é instantânea e radical.
Com
o dinheiro da herança faz uma viagem à Terra Santa e decide ser monge
cisterciense. Escreve depois: “No mosteiro de Nazaré passei seis anos e meio.
Depois, desejando querer assemelhar-me a Jesus, fui autorizado a viver como um
desconhecido, vivendo do meu trabalho cotidiano”. A vida oculta de Jesus de
Nazaré lhe atrai. Trabalha como pedreiro/jardineiro no mosteiro das Clarissas,
e escreve: “Agora, rastejando estrume, vivo uma plena e indescritível
felicidade”. Não lhe atrai o sacerdócio. Quer “o último lugar” para
identificar-se com os mais insignificantes, ser “amigo dos que não têm amigos”.
Começa a sonhar com uma nova Ordem religiosa, aberta a qualquer pessoa, os
“irmãozinhos” e “irmãzinhas” de Jesus. Já prepara uma Regra. “Para ter tudo”,
reflete, “é preciso ser nada”. “O aniquilamento é o meio mais poderoso para nos
unir a Jesus e fazer o bem”.
Aconselhado
pelos seus superiores – e pelo Pe. Huvelin – acaba estudando na Gregoriana de
Roma e ordena-se padre em 1901. Pouco depois, em 1905, monta seu eremitério em
Beni Abbes, Argélia, não pelo isolamento em si, nem para fazer proselitismo,
mas simplesmente para estar em meio ao povo nômade mais pobre, os “tuaregues”
do deserto da Saara. Toma posição contra atitudes escravagistas e colonialistas
e estuda profundamente a língua do povo, elaborando um dicionário completo
muito elogiado pelos especialistas. Vive um tempo em grande solidão. Não pode
rezar missa “por estar sozinho”. Passa sua “noite de espírito”, é mordido por
uma cobra e tem ataque do coração. Os tuaregues. o socorrem. Fica mais alegre
quando o papa o autoriza a rezar missa sozinho. Em 1909, Charles, - “monge sem
convento”, na expressão de Frei Betto -, muda para um novo eremitério nas
montanhas de Assekreme. Local aberto para visitantes e retirantes. “Quero ser o
‘irmão universal’ de todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus ou ateus”,
escreve.
Charles
não realizou uma única conversão em toda a sua vida, mas testemunhou a
radicalidade da vida cristã como ninguém. Os tuaregues o chamavam de “marabuto
– homem de Deus – branco”. Durante a 1ª guerra mundial, Argélia é palco de conflitos
diversos e um forte anticolonialismo. Mesmo fazendo um muro de proteção em
volta do seu eremitério para abrigar os amigos, Charles não tem chance. Em
1916, com 58 anos, um grupo assaltante o mata com um tiro na cabeça. Entre
leigos, leigas e sacerdotes, 48 pessoas formam, àquela altura, a sua
“fraternidade”. Algumas décadas depois, com maior publicidade dada à sua vida,
as fraternidades dos irmãozinhos e irmãzinhas de Jesus vão surgindo. Hoje estão
espalhadas pelo mundo inteiro.
Quando
falamos de mística e espiritualidade no Séc. XX temos dificuldade em encontrar
representantes porque, à primeira vista, nenhum deles se parece com os místicos
ou as místicas do passado. Personalidade que, sem dúvida, merece destaque é a
filósofa e escritora judia Simone Weil (†1943).
Embora de educação agnóstica, desde muito cedo demonstra ter uma índole
solidária. Já como criança deixa de tomar açúcar em solidariedade com os
soldados do “front” (da 1ª guerra mundial). Estudando filosofia quando jovem,
identifica-se com os estóicos, e alguns vêem em sua espiritualidade posterior
uma forte influência dos cátaros. Estudando na Escola Normal Superior de Paris,
seu professor idolatrado, “Alain”, a chama de “marciana” por vestir-se
rigorosamente à moda proletária, identificando-se com os explorados. Em 1931
forma-se em filosofia como 1ª da turma – Simone de Beauvoir é a 2ª! -, dando
aula depois em Le Puy. Milita nas causas operárias, a ponto de quase ser
expulsa da escola. Defendendo uma revolução proletária, os periódicos regionais
a chamam de “a virgem vermelha”, virgem por sua opção quase religiosa pela
“causa”, e vermelha por ainda acreditar no comunismo.
Com
os comunistas articula grupos intersindicais, mas já em 1932 escreve: “sinto-me
cada vez menos comunista”. Indo a Berlim para conhecer o movimento
revolucionário de lá volta decepcionada. Em 1933 escreve um artigo questionador:
“Vamos mesmo à Revolução Proletária?” Observadora atenta, de rara honestidade
intelectual, já prevê a falência do socialismo real. Opina que os antes
combativos social-democratas da Alemanha se renderam aos interesses do Estado
capitalista, e Stalin transformou o comunismo russo num burocrático comunismo
de Estado. A própria “esperança operária”, diz Simone, se transforma, desta
forma, no ópio que Marx atribuía à religião! Ela lança a idéia da
“máquina-instrumento” em oposição à “máquina burocrática”. Quer uma máquina (ou
sistema) que não rotiniza, atrofiando a mente, dando autonomia e controle aos
próprios operários.
Defendendo
uma indispensável união entre teoria e prática, entra, em 1934, numa fábrica da
Renault. Em 1935 escreve: “a exaustão do trabalho me fez esquecer as razões
pelas quais estou na fábrica. Ela torna quase invencível a tentação que esta
vida traz consigo: não mais pensar... A opressão, em vez de trazer revolução,
traz apatia, e até mesmo a internalização dos valores do opressor”. Em 1936,
como pacifista, entra na “milícia anarquista” da guerra civil espanhola.
Depois, reconhecendo que a violência às vezes é necessária, reconhece seu gesto
como um “erro criminoso”. Solidariedade sempre!
Conhecedora
profunda das filosofias clássicas e modernas, e estudando em profundidade
também as religiões, com especial carinho pelas orientais, chega à conclusão
que existe uma base comum para todas as religiões. Sem sincretismo, julga
necessário preservar a riqueza particular de cada uma. A humanidade de Jesus,
aniquilado na cruz, a impressiona. Em 1937, na igrejinha de São Francisco, em
Assis, tem sua primeira experiência mística. Em carta ao amigo, o dominicano Pe.
Perrin, escreve: “Cristo desceu até mim e me tomou”. Pela primeira vez na vida
foi capaz de se ajoelhar e rezar. Em 1938, ouvindo o canto gregoriano na abadia
de Solesmes, outra experiência mística: “experimentei a alegria e a amargura da
Paixão de Cristo como um evento real”. Quando o Pe. Perrin propõe batizá-la,
observa: “Sinto que me é necessário, que me é destinado ficar sozinha,
estrangeira, no exílio em relação a não importa que meio humano, sem exceção”.
Seguindo o conselho de Perrin vai trabalhar numa colônia agrícola católica, em
Portugal, onde se identifica com os camponeses, dormindo num saco de dormir e
praticando a ascese com a qual sempre sonhou. Escreve muito.
Na
Carta a um religioso (Perrin) revela
sua “autobiografia espiritual”. Vê o Logos grego fundido com o Verbo Encarnado.
Cristo ressuscitado é o Deus de todas as religiões e culturas. Critica o
monopólio doutrinário de Roma. Encarregado por De Gaulle para arquivar todas as
propostas para a recuperação pós-guerra, mas sentindo o clima ultranacionalista
e a tendência centralizadora de De Gaulle, Simone escreve sua última obra, O Enraizamento: Europa só terá êxito se
recuperar suas raízes espirituais. Todos os problemas sociais são fruto do
“desenraizamento”. O dinheiro e a tecnologia não podem prevalecer sem mais nem
menos. É preciso resgatar os valores originários da civilização grega e da
tradição cristã. Quando, em 1943, Simone é notificada de sua tuberculose, ela
se interna num sanatório operário. Rejeita comida e tratos especiais. Morre aos
34 anos de idade. Albert Camus a chamou de “o maior gênio espiritual da
atualidade”. Se foi batizada, não se sabe. A dúvida permanece.
Um
dos grandes místicos que representa bem a nova cosmovisão ecológica é Thomas Merton (†1968). Thomas nasce no
sul da França, de pais artistas, da Igreja Anglicana. A mãe morre quando tem
seis anos. Não se dá bem com a madrasta. No secundário não segue nenhuma
religião. Encontrando um casal muito católico, amigos do pai, Thomas lhes diz:
“Todas as religiões levam a Deus, apenas os caminhos são diferentes. Todos
devem seguir sua própria consciência”. Em 1928 muda para a Inglaterra onde
freqüenta regularmente a Igreja Anglicana, mas, terminando o estudo, abandona o
hábito. O pai morre de câncer em 1931, o que lhe causa grande abatimento. Tendo
especial interesse na literatura escreve regularmente no jornal escolar “The
Oakhamian”, demonstrando já seus dotes literários.
Thomas
declara-se inteiramente agnóstico: “não creio em nada”. Em 1933, porém, quando
faz uma viagem a Roma, sente uma atração especial pelas inúmeras igrejas. Ali,
diria depois, descobriu “a Roma verdadeira”, a da tradição cristã. No
isolamento de um quarto de pensão, à noite, depois de ler o Novo Testamento,
tem a sensação de estar na presença de seu pai falecido e, sentindo um grande
vazio, pela primeira vez consegue rezar. Ao visitar o mosteiro trapista Tre
Fontana sente atração pela vida monástica, mas ainda não superou sua antipatia
pela religião católica ou qualquer outra religião institucionalizada. Em 1933
entra no Clare College, em Cambridge, onde passa uma fase bem nebulosa, com
bebida, mulheres e pouco estudo. Em algumas biografias se sugere o nascimento
de um filho, abafado possivelmente por uma censura trapista.
Terminando
os estudos em 1934 vai aos EUA onde estuda na universidade de Columbia,
Manhattan. Desenvolve aí seu grande amor à literatura com o eterno amigo,
professor Van Doren. Escreve em jornais escolares, participa de debates,
engaja-se em movimentos pela paz, pelos direitos civis e pela justiça social.
Participa do movimento comunista, mas não gosta. Impressionam-lhe os livros The spirit of Medieval Philosophy, de
Etienne Gilson, e Ends and Means, de
Aldous Huxley, que lhe dão uma visão mais aprofundada do catolicismo e da
mística. Após sua formatura em 1938 encontra o monge hindu Mahanambrata
Brahmachari que o aconselha aprofundar-se nas suas próprias raízes cristãs.
Sugere as Confissões de S. Agostinho
e a Imitação de Cristo de Thomas à
Kempis. À esta altura começa a ir regularmente à missa e rezar. Ainda em 1938
se converte ao catolicismo e é batizado por um padre amigo.
Sentindo
atração pelo sacerdócio, o seu professor amigo, Walsh, lhe diz que seu estilo
religioso não é o de Thomas de Aquino, a respeito do qual fez um curso.
Trabalha ainda um tempo na universidade de São Boaventura, onde leva uma vida
mais ascética, e, finalmente, em 1941 entra na abadia cisterciense de
Getsêmani, Kentucky. Em 1947 faz seus votos perpétuos e, já em 1948, é editada
sua autobiografia, o best-seller da época, The
seven story Mountain, escrita a pedido do abade local que incentiva sua
ação literária, sugerindo escrever sobre a Ordem e a vida dos Santos. Em 1949 é
ordenado sacerdote. Ao todo escreve 70 livros e milhares de cartas, sempre
tratando das grandes questões do seu tempo: justiça social, modelo econômico,
paz, a não-violência e a “espiritualidade da resistência”, direitos civis,
ameaça nuclear, etc. Alguns o vêem como um precursor da teologia da libertação.
Seu
foco principal, no entanto, é a fonte mística da qual brotam todas as ações, e
isto numa perspectiva multi-religiosa. Estudando em profundidade budismo,
taoismo, hinduísmo, janismo e sufismo, opina, como afirma em Conjectures of a guilty Bystander, que “o
cristianismo perdeu muito de sua mística original em favor de uma coisificação
dos conceitos, um endeusamento da consciência reflexiva, uma fuga para o
discurso, a matemática e a racionalização”. “Sem fé”, afirma, “o ‘caminho
estreito’ é profundamente impossível”. Vê muita similaridade entre a mística
dos padres do deserto e, por exemplo, a mística “zen”. Dialoga a respeito com o
monge vietnamita Thich Nhat Hahn, e, especialmente, com D. T. Suzuki, como
relata em Zen and the birds of appetite
e The Wisdom of the Desert. Ressalta
que, para captar seu espírito, é inútil a linguagem teológica. Zen combina
melhor com a teologia apofática, “o não-verbalizável das diferentes religiões e
culturas”. “Nenhum escrito sobre a dimensão contemplativa pode dizer algo que
já não tenha sido dito melhor pelo vento nos pinheiros”. É preciso não apostar
na racionalidade: “a distância mais longa é aquela entre a cabeça e o coração”.
A
partir de 1965 mora num pequeno “eremitério”, nas terras da abadia. A solidão
fazia parte dos seus sonhos desde jovem. Queria ser cartucho. Ainda assim, em
1966, hospitalizado, não resiste ao charme de uma enfermeira. Dedica um poema a
ela, mas supera a fase sem trair seu voto de celibato. Certa vez afirmou: “O
amor é nosso real destino. Não encontramos o sentido da vida em nós mesmos, o
encontramos juntos”. Na sua última conferência sobre o diálogo Ocidente X
Oriente, em Tailândia, duas horas antes de morrer por um acidental choque
elétrico, observa: “O sentido da palavra ‘compaixão’ se baseia na percepção da individualidade
de todos os seres vivos que, no entanto, são parte uns dos outros e
interdependentes uns com os outros”. Seria difícil deixar mais clara sua
cosmovisão ecológica.
O
imaginário religioso atual evoca facilmente o exemplo de Madre Tereza de Calcutá (†1997), nascida em Skopje, da Albânia. De
educação católica, aos 13 anos, ouvindo um missionário da Índia, sente vontade
de ser missionária. O missionário a aconselha a esperar “a voz de Deus”. Aos 19
anos, Tereza entra na Congregação das Irmãs de Loreto. Em 1931 é enviada para a
Índia onde leciona inglês na cidade de Calcutá. Quando faz seus votos perpétuos
em 1937 já está muito impressionada com a miséria nas ruas da cidade, em
contraste com a boa situação das meninas do colégio. Em 1946, numa viagem de
trem, Tereza “ouve a voz de Deus” e decide dar novo rumo à vida, com dedicação
exclusiva aos pobres e doentes. “É fácil”, diz, “amar os que estão longe, mas
nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”. Faz curso de enfermagem
para aperfeiçoar-se.
Em
1948, assume a nacionalidade indiana e consegue do papa Pio XII autorização
para fundar uma nova Congregação de “Missionárias da Caridade”. Em 1950 começa
a atender os leprosos. À primeira “Casa da Esperança” para crianças pobres, em
1952, segue o “Lar dos Moribundos”, em Kalighat. Tereza diz: “A pobreza não foi
criada por Deus, ela foi criada por nós, eu e você, com nosso egoísmo”. E: “A
falta de amor é a maior de todas as pobrezas”. Para suas Irmãs propõe o
abandono de todos os bens materiais. Cada Irmã recebe como seus pertences
apenas um prato, um jogo de roupa, um par de sandálias, um pedaço de sabão, uma
almofada, um colchão com dois lençóis, e um balde metálico numerado. O hábito é
o “sári” indiano, com a cor branca da pureza e a azul em homenagem a N.
Senhora. Aos muitos colaboradores leigos pede apenas muita fé. Em carta
quaresmal escreve: “Nós precisamos desta união íntima com Deus em nossa vida
cotidiana. E como podemos obtê-la? Através da oração!”.
Sempre
angariando fundos, em pouco tempo as obras de caridade se multiplicam, não
apenas na Índia, mas, a partir de 1968, no mundo inteiro. A “Santa das
Sarjetas” ganha o Prêmio Nobel em 1979 por seu atendimento aos doentes, idosos,
cegos, aidéticos, órfãos e presidiários, em fim, os excluídos da sociedade.
Ganhará muitos outros prêmios no decorrer do tempo. Sua mensagem é simples: “não
usamos bombas nem armas para conquistar o mundo, usamos apenas o amor e a
compaixão”. Em parceria com o Irmão Roger de Taizé escreve três livros. Seu
outro guia espiritual é Pe. Neurer que guarda diversas cartas suas e encaminha
o pedido de beatificação.
Apesar
de sua extrema dedicação, Tereza passa longos tempos sentindo uma total
ausência de Deus. Em 2007, o Pe. Brian Kolodiejchuk publica o livro Madre Tereza venha, seja a minha luz,
onde conta a surpreendente “noite escura” desta santa. Em 1956, Tereza escreve
que tem profunda ânsia por Deus, mas “sente repulsa, vazio, sem fé, sem amor,
sem fervor; o céu não significa nada. Reze por mim para que eu continue
sorrindo para Ele apesar de tudo”. Pe. Brian escreve que, a partir dos anos 50,
Tereza “viveu uma grande fase de escuridão interior que se prolonga até sua
morte”. Em 1959, Tereza escreve: “Se não houver Deus, não pode haver alma; se
não houver alma, então você, Jesus, também não é real”. Numa carta ao Pe. Neurer
observa: “Pela primeira vez em 11 anos cheguei a amar a escuridão. Pois agora
acredito que é parte, uma parte muito muito pequena da escuridão e da dor de
Jesus neste mundo. O Senhor ensina-me a aceitá-la como o lado espiritual de sua
obra”. Também escreve: “Abandono-me a Ele mais do que nunca. Sim, mais do que
nunca estarei à disposição”. Fazendo a experiência mística da “noite escura do
Espírito”, citada por São João da Cruz, Tereza resume sua vida, ao escrever:
“Sabia que estava unida a Deus, mas não conseguia sentir nada”. O papa Bento
XVI lembrou que Tereza sofreu “o silêncio de Deus”. De fato, certa vez, ela
disse: “se um dia for santa, certamente serei a santa da escuridão”. Tinha
total consciência de suas limitações: “O que eu faço é uma gota no oceano, mas,
se não o fizesse, o oceano seria maior”. Nunca condenou ninguém, apenas amou:
“Se você vive julgando as pessoas, não tem tempo para amá-las”. Ao morrer do
coração, em 1997, são 4000 Irmãs em 123 países. O papa Paulo VI aprovou sua
Congregação oficialmente, em 1965, e, em 2003, ela foi beatificada pelo papa J.
Paulo II.
Em
2005, durante o canto da oração da noite, e na presença de 2500 jovens, foi
assassinado por uma desequilibrada romena o Irmão Roger de Taizé (†2005). Passando por uma longa doença de
tuberculose pulmonar, quando jovem, Roger Schütz, filho de pastor calvinista, -
atribuindo os múltiplos males da guerra à divisão entre os cristãos -, começou
a sonhar com uma comunidade cristã reconciliada. Estudando teologia reformada
nas universidades de Estrasburgo e Lausanne, lidera o movimento dos jovens
cristãos da Suiça. Em 1940, quando a guerra o obriga a mudar para a França,
começa a acolher os refugiados da guerra numa pequena propriedade de sua mãe
francesa, em Taizé, perto de Cluny. Denunciado pela Gestapo, foge, mas volta em
1944 com mais três companheiros para dar início a uma comunidade ecumênica,
quase monástica.
Em
1949 já são oito e decidem consagrar-se ao celibato e à vida comunitária. Levam
uma vida de oração intensa, além de trabalho manual para o próprio sustento. No
inverno de 1952, num longo e silencioso retiro, Roger escreve a “Regra de
Taizé” que diz: “ama teu próximo, seja qual for a sua visão religiosa ou
ideológica”. A partir de 1955, milhares de jovens começam a visitar a
Comunidade para participar das liturgias, da oração comunitária, e de retiros. A
mística de Taizé tem algo de S. João da Cruz. Diz Roger: “Às vezes a oração é o
combate interior, às vezes o simples abandono de todo o ser em Deus, no
silêncio, sem palavras”. Em 1955, falando a 100.000 jovens, em Paris, proclama:
“Viemos todos aqui para entrar em contato com nossa vida interior, através do
silêncio e da oração”. A Regra insiste em alegria, simplicidade e
solidariedade. Confiança em Deus, sempre, e confiança no que une os seres
humanos, o amor. Todos os dias os irmãos celebram ecumenicamente, sem
necessidade de “conversão”, pois as raízes, diz Roger, são as mesmas. Roger
privilegia a pregação do exemplo, mais do que o discurso.
Nunca
pensava reunir mais do que 15 irmãos, mas hoje passam de cem, em mais de 20
países. As fraternidades, sempre ecumênicas, têm como princípio não aceitar
donativos. Se um irmão ganha uma herança, ela é distribuída aos pobres. Foi
difícil convencer o Irmão Roger para construir uma grande igreja a fim de
acolher os peregrinos do mundo inteiro. Materiais usados devem ser simples, mas
bonitos, de preferência reciclados. Em Taizé, preocupação social e preservação
da Criação são prioritárias. Místico, sem deixar de ser realista, o Irmão Roger
se tornou o grande incentivador das “Jornadas Mundiais da Juventude”. Muito
antes de morrer, já adoentado e em carrinho de roda, Roger propõe para seu prior-sucessor
o Irmão Alois, o que é aprovado pela Comunidade. No decorrer dos seus 90 anos
escreveu muitos livros de meditação, três deles em co-autoria com sua amiga
Madre Tereza de Calcutá.
Em
seu funeral, o cardeal Walter Kasper, presidente do Conselho Ecumênico
Pontifício, diz: “Nas colinas de Taizé floresceu uma primavera ecumênica”, e
sobre Roger afirmou: “qualquer injustiça social o deixava sempre triste”. O
papa J. Paulo II, amigo de Roger desde que este participou como ouvinte do
Conc. Vat. II, visitou Taizé em 1986, dando pessoalmente a comunhão a este pastor
protestante, ainda que meio contra as regras oficiais. O Irmão Roger recebeu
diversos prêmios nacionais e internacionais, e é considerado mundialmente como
“mártir do diálogo”. Suas últimas palavras foram: “o canto continua”.
Contemporânea
do Irmão Roger é a fundadora do Movimento dos Focolares, Chiara Lubich (†2008). Filha de um socialista, a jovem Chiara dá
aulas numa escola primária de Trento para pagar seus estudos de filosofia na
faculdade. Está em busca do sentido da vida, em meio aos horrores da guerra. Em
1939, com 19 anos, participa de um curso da Ação Católica, em Loreto. Nasce aí –
em Loreto estaria guardada a casinha da Família de Nazaré! - sua forte valorização
da “família unida”, e Maria será para sempre seu perfeito modelo de obediência
a Deus. Em 1943, sozinha, na Capela dos Capuchinhos, faz sua consagração a
Deus. Como responsável da formação na terceira Ordem de São Francisco, Sílvia
recebe o nome de Chiara. Com um grupo de amigas lê o Evangelho nos abrigos
antiaéreos, onde tem uma experiência religiosa da qual dirá depois que foi
“fulgurante, mais forte que as bombas que atingiram Trento”, e onde sente
profundamente que “Deus é Amor”. O tempo é de total insegurança e destruição. Elas
anotam que, caso morrerem, querem ter como inscrição no túmulo: “nós
acreditamos no amor”. E com isso vai se dando o início de um grande Movimento.
Em
1944 Trento é severamente bombardeada. Os pais fogem para as montanhas, mas
Chiara e suas amigas ficam e partilham seus poucos bens com os pobres e os “sem
nada” de Trento. O grupo de voluntários/as leigos/as aumenta rapidamente. O
papel do laicato está no topo da agenda da Igreja da época. Quando, em 1948, o
jornalista, escritor e político Igino Giordani, muito ligado ao ecumenismo, se
junta ao Movimento, este lhe dá uma nova dimensão sócio-política, tornando-se
co-fundador. Chiara dirá depois, num Congresso em 2001: “a política é o amor
dos amores”. Em 1954, o padre Pasquale Foresi – também co-fundador - se torna o
primeiro sacerdote do Movimento. Deu uma grande contribuição à fundamentação
teológica, como também à ampla divulgação na imprensa. Em 1956 surgem os
“voluntários de Deus”, organização de adultos das mais variadas profissões que
querem “levar Deus à sociedade”. A descristianização da Europa está em grande
destaque. Em 1959 Chiara participa de um grande encontro de políticos, quando
lhes diz que, numa Europa esfacelada, “é preciso amar a nação dos outros como a
própria”. É a partir deste ano que o Movimento recebe um forte caráter
internacional.
A
partir de 1960, o Movimento se espalha para o lado oriental da Europa, depois
que ela ouve o relato de um sacerdote, refugiado de um campo de concentração. Em
1961 se aprofunda ainda mais o lado ecumênico. Chiara fala no Encontro dos
Pastores Luteranos e mantém boas relações com líderes de outras Igrejas Cristãs
e Ortodoxas. Em 1964 – ano em que o papa Paulo VI declara que o Movimento é
“obra de Deus” - surge a primeira “cidadezinha”, Loppiano, nas montanhas de
Valdarno, a primeira das 33 “Mariápolis” hoje existentes onde se projeta um
novo modelo de vida em comum, baseado na palavra de Jesus: “onde dois ou três
estão reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”. A espiritualidade do
Movimento é a “espiritualidade da unidade”, a superação de todas as barreiras
que separam povos, ideologias e religiões.
Para
os jovens é criado, em 1966, o “Movimento Gen” (Geração Nova), e, em 1967, o
das “Famílias Novas”. Na década da grande rebelião dos jovens, Chiara lhes
propõe a vivência radical do Evangelho, base de uma verdadeira revolução
social. Em 1967 é fundada ainda, em Manila, Filipinas, a “Escola Permanente
para o Diálogo Inter-religioso”. Sua ação destacada neste campo lhe granjeia, em
1977, o “Prêmio Templeton”. Outros prêmios seguirão.
Em
1984, ao visitar o Centro do Movimento em Rocca di Papa, J. Paulo II reconhece
no Movimento a fisionomia do Vat. II, e, em 1998, observa que o Movimento
representa “uma resposta à descristianização da sociedade”. Em 1985 Chiara é
nomeada consultora do Conselho Pontifício para leigos e, em 1988, J. Paulo II
aprova o setor dos bispos que tem ligação com o Movimento, visando “uma afetiva
e efetiva colegialidade”. Chiara sonha com mudanças, também nas estruturas
eclesiásticas. Em 1991, após conhecer a miséria das favelas do Rio, lança seu
projeto de “Economia de Comunhão na Liberdade”, reunindo empresas e empresários
para uma nova práxis econômica para o mundo, marcada pela vida em fraternidade
e pela partilha dos lucros em favor dos pobres. Atualmente, mais de 800
empresas no mundo (100 no Brasil) vivem este tipo de economia.
Em
1996 segue ainda o “Movimento Político pela Unidade”, fazendo da fraternidade
uma categoria política acima das divergências partidárias. Em 1996 Chiara recebe
o “Grau Honorário de Ciências Sociais” da universidade de Lublin, Polônia, “por
colaborar com as novas dimensões sócio-econômicas da sociedade pós-comunista”. Nos
anos 97/98, Chiara se dedica intensamente ao diálogo inter-religioso. Fala a
800 monges e monjas budistas na Tailândia, a 3000 muçulmanos na mesquita de
Nova York e, em seguida, fala na Comunidade Hebraica de Buenos Aires.
Por
ocasião de seu funeral, em 2008, Bento XVI lembra “a mulher de fé intrépida,
mansa mensageira de esperança e de paz”. Está presente no funeral o sucessor do
Irmão Roger de Taizé, Frei Alois, que fala “da grande estima e o grande amor
que o Irmão Roger tinha por ela”. O Movimento, hoje, está presente em 182
países, com quatro milhões de seguidores pertencentes às mais diferentes
expressões religiosas, ou até sem nenhuma referência religiosa.
II
O “outro mundo” na espiritualidade ecológica
Um primeiro detalhe a observar é que, nos mestres ou
mestras espirituais da atualidade, o “outro mundo”, por assim dizer,
“desaparece” do vocabulário cristão. Não que se perceba qualquer gesto para
eliminá-lo, mas o imaginário religioso, simplesmente, mudou.
No
decorrer da cosmovisão teológica, onde – depois da filosofia grega - o sagrado
e o profano são realidades opostas, o “outro mundo” é imaginado depois deste,
em outro lugar, junto a Deus, longe das corrupções deste mundo. Para os mestres
espirituais daquela época, esta terra, cheia de concupiscência, é “inimiga” da
outra e o realmente importante é chegar à “cidade celeste”. Por isso, é no
“deserto” que Deus se deixa encontrar mais facilmente. Já no decorrer da
cosmovisão antropológica, os mestres espirituais da religiosidade popular, freqüentemente
em oposição à fé racionalizada e ao monopólio doutrinário da
Igreja-Instituição, buscam a “vida no Espírito” que ultrapassa as normas
estabelecidas. O “outro mundo” continua o grande objetivo a alcançar, mas, para
alcançá-lo, é a este mundo que deve ser dada toda a atenção. A Devoção Moderna
rejeita a “piedade das nuvens” e se volta para as boas ações neste mundo. Uma
espiritualidade mais condizente com a nova racionalidade, sim, mas fiel ao
Espírito, sem privilégios eclesiásticos ou de classe. Impõem-se a “vida devota”
do dia a dia, a santidade da “pequena via” ou dos “pequenos nadas”, com
valorização da vida cristã leiga e das “fraternidades” – ou “sororidades” –
“que têm por claustro as ruas da cidade”. Quando o Vat. II consagra a teologia
das realidades terrestres, não consagra apenas uma teologia. Consagra também
uma espiritualidade.
Na
cosmovisão ecológica, o “outro mundo” não está mais em oposição a este, como na
cosmovisão teológica, nem está para “além” deste, como na cosmovisão
antropológica. Está “nas entranhas” deste, em permanente “vir-a-ser”. A
“dinâmica evolutiva” da vida nunca pára. É da essência da própria vida, a
partir de si própria, refazer-se sempre, e evoluir. Se é verdade que as
religiões encarnam esta dinâmica evolutiva, tentando levar a humanidade,
individual e coletivamente, a um porto seguro, então estamos aí diante da
enorme importância do que chamamos de “espiritualidade”. E da inegável
responsabilidade das pessoas que têm a pretensão de conduzir ou – digamos mais
humildemente – orientar o processo.
Os
“mestres espirituais” que acima mencionamos – e poderíamos acrescentar uma
extensa lista dos melhores teólogos ou teólogas – têm algo em comum: a
percepção de que nenhuma religião, sozinha, exprime toda a riqueza espiritual
da humanidade. Com certa espontaneidade, a nova cosmovisão ecológica convenceu
Foucauld que deveria ser o “irmão universal” de todos, cristãos, muçulmanos, judeus
e ateus. Somente assim ocorre a indispensável interdependência teológica e
espiritual que pode enriquecer “o todo”. Simone Weil, baseada na sua
solidariedade incondicional, rejeita o batismo porque não vê na Igreja respeito
suficiente à “base comum” das religiões. Merton sobrepõe a sabedoria do deserto
e a compaixão, que unem, ao discurso teológico que divide. E em Calcutá,
Tereza, querendo encontrar Deus, só encontra escuridão, mas, indo ao encontro
dos desvalidos, aprende que Deus “é” escuridão.
Ao Irmão Roger das comunidades ecumênicas não importa a morte, mas que “o canto
continue”, e para a espiritualidade da unidade de Chiara, todas as fronteiras
desaparecem. A cosmovisão ecológica rejeita guetos e verdades únicas. Sua alma
não é de guerra, é de paz.
Nós,
cristãos/ãs, nos consideramos anunciadores de um caminho perfeito, revelado por
Deus. Sem dúvida. Nos passos de quem se proclamou o Caminho, a Verdade e a
Vida, nada nos falta. Mas Deus – ensinam-nos os místicos – está incomensuravelmente
acima dos projetos humanos, e é este Deus que anunciamos. É a Ele que se dirige
nossa espiritualidade cristã, nossa e a de todas as espiritualidades do mundo.
A cosmovisão ecológica nos ensina que o diálogo inter-religioso nos leva mais
facilmente à “vida em plenitude” da qual Jesus nos falou.
A
ação pastoral da Igreja se fundamenta na espiritualidade, ou não será uma ação
pastoral. Ninguém viveu mais intensamente a espiritualidade do “outro mundo” do
que os cristãos dos primeiros séculos. Ainda assim, o foco central de sua ação
concreta se localizou na vida fraterna neste mundo. O mesmo padrão se mantém
quando, posteriormente, surgem as cosmovisões antropológica e ecológica. O
“outro mundo” recebe novas concepções e novas linguagens, mas não muda o
padrão: é pela ação neste mundo que se ganha o outro. Em especial a cosmovisão
ecológica oferece uma resposta afirmativa à pergunta “se um outro mundo é
possível?” Sim, desde que a ação fraterna se dirija ao homem e à mulher “deste”
mundo, “em seu todo”, isto é, em sua realidade individual, coletiva, e
ambiental.
*Missionário Verbita,
presbítero, formado em filosofia, teologia e ciências sociais. Ver o currículo
em ...............................
Endereço
do autor: R. Juruá, 798 – Jd. Paineiras – 09932-220 Diadema
SP. Email: nijlbakker@hotmail.com Fone: (11)
4091-7928. Para consulta aos artigos do autor, acessar: <artigospadrenicolausvd.blogspot.com.br>
Nota:
1. Em Vida Pastoral Nos 278/279/281 e 282
(2011/12) pode ser encontrada uma descrição mais detalhada destas
cosmovisões, como também sua espiritualidade e perspectiva política
correspondentes, tendo em vista a indispensável renovação pastoral da Igreja.
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