O
“mensalão/petrolão” e a teologia pública no Brasil
Pelo
Pe. Nicolau João Bakker, svd
Diadema
SP
Síntese:
O
presente artigo é fruto de uma preocupação angustiante: para onde irão as
Igrejas do Brasil depois do inesperado susto do mensalão e do petrolão? Ao
apoiar, ao menos parcialmente, um regime político “da Esquerda”, a Igreja errou
ou acertou? Qual o caminho daqui para frente? Uma teologia pública deve
limitar-se a discussões de cunho mais acadêmico, ou deve abrir pistas concretas
no terreno sempre escorregadio das relações entre Igreja e esfera pública? O
artigo inicia tecendo um quadro sintético da atual conjuntura política do país,
apresentando, além dos fatos principais, também um ensaio interpretativo. Em
seguida busca, no passado da tradição cristã, algumas lições que ainda hoje são
significativas para uma teologia pública em fase de elaboração. Finalmente coloca
o respeito à “religiosidade” humana como um fator de primordial importância
para justificar a ação política em qualquer uma das esferas públicas.
Palavras-chave:
Mensalão/Petrolão – Teologia Pública – Esfera pública “religiosa”
Abstract:
The
present article is the result of an agonizing concern: whereto will the
brazilian churches go after the unexpected upheavel from the so-called
“mensalão/monthly payment” and “petrolão/petrol payment”? In supporting, at
least partially, a leftist political regime, did the church make a mistake or
did it do well? From now on, which way to go is the issue? A public theology
must limit itself to a more academic discussion or open up concrete roads in
the slippery relations between church and the public sphere? This article starts by offering a synthetic
view of the national political situation at present, indicating not only the
most significant facts, but also an iterpretive assay. As a sequence, we look
at some lessons in the christian tradition of the past that may be significant
nowadays for a public theology still in elaboration. Finally it puts the human religiosity
as a factor of primordial importance to justify political action in the public
sphere.
Keywords:
“Mensalão/Petrolão” – Public theology – “Religious” public sphere
Introdução
Há um bom tempo
o Brasil passa pelo drama do “mensalão/petrolão” e suas múltiplas
consequências. O que mais chama a atenção são as consequências políticas
diretas, mas são igualmente significativas as consequências sociais. A
política, como gestão da “polis” (cidade), envolve a sociedade toda e, direta
ou indiretamente, acaba abrangendo todos os aspectos da vida humana. Seguindo
os passos de Jesus, a Igreja se propõe oferecer “vida plena” (Jo 10,10) a todas
as pessoas. Por isso, não pode ficar alheia à questão política. De fato nunca
ficou. O nexo entre religião e política é umbilical. Desde os primórdios da
humanidade, as religiões, institucionalizadas ou não, sempre marcaram em
profundidade o viver, o conviver e até o sobreviver do ser humano. Não é de
admirar que, em especial na religiosidade monoteísta, as teo e hierocracias
marcaram e continuam marcando forte presença.1 Jesus iniciou sua
vida pública anunciando a vinda do Reino de Deus (Mc 1,14-15). Ninguém mais duvida
que é da terra que Jesus está falando. Relacionar a fé com a esfera pública é,
portanto, um imperativo incontornável.
No
mundo ocidental, a revolução francesa de 1789 simbolizou o início de uma
separação radical entre Igreja e Estado. O processo histórico antes, durante e
depois da ruptura não ocorreu sem fortes questionamentos de ambos os lados. Temos
aí uma fonte muito rica em lições para o momento presente. O que pretendo fazer
neste artigo é, em primeiro lugar, situar, de forma aproximada, o atual momento
político brasileiro, profundamente caracterizado pelo assim chamado “mensalão/petrolão”.
Uma espécie de análise de conjuntura sem nenhuma pretensão de ser a única
possível. Em seguida tirarei algumas lições do passado que ainda hoje ajudam a
iluminar o presente. Finalmente, mais do que entrar em discussões doutrinárias
referentes à teologia política ou à teologia da libertação, gostaria de tecer
algumas considerações pastorais sobre a fé cristã – e a religiosidade humana de
modo geral - e sua relação com a esfera pública. A “teologia pública”, ainda
incipiente no nosso país, encontra aí seu objeto específico de análise.
I
O “MENSALÃO/PETROLÃO” E O QUE ESTÁ POR DETRÁS DO MESMO
1.1 Os
fatos ainda em andamento
Antes do “petrolão”
tivemos o “mensalão”. Ambos nascem da mesma fonte. A análise de suas águas já
está bem avançada, mas ainda não está muito claro em que mar elas irão
desaguar. Insinuações diversas de um esquema de corrupção comandado pelo PT
foram se acumulando, entre as quais a misteriosa morte do prefeito Celso Daniel
(2002) e a alegada “compra” de deputados do PTB pelo PT (2004). Inicia-se uma guerra não declarada quando a
revista Veja, em maio de 2005,
escancara em sua capa: “O vídeo da corrupção em Brasília”. Há forte desconfiança
de que não se trata de uma corrupção isolada na cúpula dos Correios. O acuado Deputado
Federal, Roberto Jefferson (PTB), acusa a existência de um “mensalão”: membros
da “base aliada” receberiam, periodicamente, cotas mensais para votarem a favor
do governo. O comandante do esquema seria o Deputado Federal José Dirceu (PT). Aos
poucos surge um clima de extrema desconfiança, particularmente com relação ao
PT, e o clima se generaliza quando a mídia em geral entra pesadamente com apoio
antecipado a toda e qualquer acusação. Um esforço concentrado do Ministério
Público, da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e do Supremo
Tribunal Federal, com reflexos numa CPI Mista do Congresso (2005), desencadeia
uma verdadeira caça às bruxas.
Suspeita
especial recai sobre o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, acusado de estar
por trás dos pagamentos. Quando reconhece ser o responsável por um esquema de
“caixa dois” no valor de 39 milhões a favor do PT, obtidos por meio de
“empréstimos” do empresário Marcos Valério – por um bom tempo este “valérioduto”
não sai do noticiário -, porém, sem o aval da Direção Partidária, Delúbio acaba
sendo expulso do partido por maioria de votos do Diretório Nacional. Ainda em
2005, numa reunião ministerial, Lula afirma: “Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis,
indignado pelas revelações que chocam o país e sobre as quais eu não tinha
qualquer conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos de
pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, tem de
pedir desculpas”. Em agosto de 2007, com Lula já reeleito, o Supremo Tribunal
Federal inicia um processo contra os 40 acusados, pela Procuradoria Geral da
República, de crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro,
corrupção ativa, gestão fraudulenta e evasão de divisas. Apenas em agosto de
2012 ocorre o julgamento dos réus. O então Procurador Geral da República,
Roberto Gurgel, chamou o “mensalão do PT” de “o mais atrevido e escandaloso
esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”.
À
essa altura, o país já se encontra enojado com o interminável noticiário de TV
sobre o caso e os milhões envolvidos nas tramoias. Quando se tem a impressão
que o pior passou e que a maré está a ponto de baixar, o caldo engrossa
novamente, desta vez envolvendo bilhões. Em 17 de março de 2014, a Polícia
Federal deslancha a “operação lava-jato”, logo batizada de “petrolão”, com
inúmeros mandados de busca e apreensão, prisões temporárias e procedimentos
instaurados. Mais de dez bilhões teriam sido desviados em “propinas” de
empresas estatais, com destaque para a Petrobrás, e de outras grandes empresas entre
as quais as principais construtoras. Pela primeira vez o país se dá conta do
enorme poder de fogo do ainda recente recurso jurídico da “delação premiada”. Quem
não delata não escapa das duras penas da lei. As “revelações” – muitas
conduzidas a partir da cadeia - confirmam que não apenas as campanhas
eleitorais do PT foram beneficiadas, mas, em geral, as campanhas de quase toda
a base aliada. Torna-se claro também que as grandes empresas habituaram-se a
“pagar por fora” alguma porcentagem dos seus vultosos contratos com o governo. É
a “regra do jogo”, diz a novela. Mas será que tem alguém por trás do esquema? As
raízes atávicas da sociedade estão em busca de um bode expiatório.
Em
junho de 2013, enormes populações percorrem as ruas das cidades; vidros são
quebrados e por toda parte fogos são acesos. “A culpa é do PT”, repete a grande
mídia. A campanha eleitoral pelo governo central, em 2014, racha o país como
nunca antes. Lula, no entanto, consegue emplacar um segundo governo Dilma,
embora com uma vantagem mínima de votos. Com a economia mundial em fogo brando
e a classe empresarial se queixando crescentemente do “estatismo” do PT, Dilma perde
cada vez mais o apoio indispensável do Congresso e não consegue emplacar as
reformas necessárias. Os investimentos escasseiam e a economia do país entra
numa forte e prolongada recessão. A Polícia Federal e o Judiciário apertam cada
vez mais o cerco a Lula e sua família, acusando-o de benefícios pessoais por
meio de favores financeiros “não contabilizados”. Também Dilma não escapa de um
cerco crescente. Não apenas no Congresso, mas no país inteiro a situação está
caótica. Em junho de 2016, o Ministério Público Federal já aponta para a
seguinte estatística: número de procedimentos instaurados: 1237; número de
presos: 160; número de busca e apreensões: 608; acordos de delação premiada: 56;
acordos de leniência: 5; acusações de improbidade administrativa: 7, contra 38
pessoas e 16 empresas, pedindo pagamento de 12,1 bilhões de reais. No momento
em que escrevo (julho de 2016) ainda é imprevisível o resultado final. Certo
parece, no entanto, que, mais do que visar a Dilma, provisoriamente afastada, o
impeachment em andamento visa o PT e “a Esquerda”.
1.2 O papel do PT
Nas
ciências sociais, as interpretações dos “fatos” são mais fluidas do que nas
ciências exatas. Se, com muita frequência, é complicado analisar a mente de uma
única pessoa – e até da nossa própria! -, quanto mais quando somos obrigados a
julgar a “mente” de uma coletividade. É enormemente intrincada a rede das
motivações individuais e grupais que orientam a vida política de uma nação.
Além do mais existe sempre o problema institucional. Em todas as instituições
podemos encontrar mazelas que, por se tornarem hábitos, nem sequer são
percebidas ou, quando percebidas, as pessoas, individualmente ou mesmo em grupo,
não têm o menor poder para extirpá-las ou modificá-las. A Igreja também as tem.
É comum ouvirmos críticas de todos os lados e ninguém indica um remédio
realmente eficaz. Qualquer sociedade tem na política uma de suas instituições
mais fortes e significativas. A própria sobrevivência da coletividade depende
dela! Com o passar do tempo, apesar da caótica transitoriedade dos fatos políticos
sucessivos, cada sociedade adquire uma determinada “cultura política” que é
própria, persistente e duradoura. Ela se sedimenta na consciência popular e
quem se afasta dela dificilmente obterá sucesso na disputa eleitoral.
Não
é possível fazer uma correta análise do momento político atual sem levar em
conta a história do Partido dos Trabalhadores (PT). Os mais velhos entre nós
ainda se lembram. O PT não nasceu no dia de sua fundação em 10 de fevereiro de
1980. O PT se forjou na década de 1970 e início de 1980, aglutinando seis
forças renovadoras que mudaram em profundidade a sociedade brasileira: 1) a
massa popular que, crescentemente, se posicionou pelo fim da ditadura militar
(as “Diretas Já” de 1983/84); 2) parte da elite acadêmica que assumiu as causas
populares, muito influenciada pela então amplamente discutida “teoria da
dependência” (Fernando Henrique Cardozo à frente); 3) muitos bispos e boa parte
da Igreja que, motivados pelo Vat. II e por Medellin e Puebla, também assumiram
a causa popular (Teologia da Libertação, CEBs e Pastorais Sociais); 4) o
operariado do ABCD que aderiu a um forte e combativo movimento sindical
independente (CUT); 5) os muitos e diversificados “movimentos populares” que
deram uma nova consciência política à população; 6) os diferentes grupos
políticos radicais da clandestinidade que, depois, vieram abrigar-se dentro do
PT.
É
preciso dar uma atenção especial a esses grupos políticos radicais da
clandestinidade. Faz parte desta radicalidade (com treinamento específico para
isso) tomar a frente nas discussões, nas análises da conjuntura política e no
levantamento das propostas. Os demais “entram na jogada”, embora nem sempre de
coração. Com muita frequência os mais radicais são também os mais bem
intencionados. No auge da ditadura militar muitos deles arriscaram (ou deram) a
vida pelo bem do país. Pude vivenciar algo de perto, primeiro como padre na
Diocese de Registro SP, observando atentamente a “guerrilha” no Vale do Ribeira,
depois como professor de Teologia Pastoral numa Faculdade de Teologia em S.
Paulo, quando costumava oferecer aos alunos uma espécie de radiografia da
situação. Os radicais costumam ter também maior clareza de sua proposta
política, frequentemente de orientação marxista e fortemente anticapitalista, além
de um empenho muito maior em termos de dedicação à causa. Na clandestinidade,
assaltos a bancos e sequestro de autoridades era algo considerado quase “sagrado”.
Os sobreviventes da época, ainda hoje, ocupam lugares relevantes nos quadros do
PT.
Para
melhor compreensão reproduzo um retrato do Diretório Nacional do PT, oferecido
em 2011 pela sua própria assessoria de imprensa e publicado no blog do jornalista
Fernando Rodrigues. São, então, 9 as tendências com direito à vaga na Direção
Nacional, de acordo com o peso democrático dos grupos: 1) A união das
tendências CNB (construindo um novo Brasil), PTLM (partido de lutas e de massa)
e NR (novos rumos), com o lema “O Partido que muda o Brasil”: 45 vagas; 2) A
união das tendências Mensagem e Democracia Socialista, com o lema “Mensagem ao
Partido”: 13 vagas; 3) A união das tendências Militância Socialista e
Articulação da Esquerda, com o lema “Esquerda Socialista”: 8 vagas; 4) A
tendência Movimento PT, com o lema “Movimento: partido para todos”: 8 vagas; 5)
A união de integrantes da CNB de Minas e outras tendências locais, com o lema
“Partido para todos”: 4 vagas; 6) A tendência O Trabalho, com o lema “Terra,
Trabalho e Soberania”: 1 vaga; 7) Uma dissidência de O Trabalho, com o lema
“Virar à Esquerda”: 1 vaga; 8) Chapa não ligada a tendências, com o lema
“Contraponto”: 1 vaga. Total de vagas: 81. As lideranças mais expressivas
indicadas são: pela CNB: Lula, Zé Dirceu, Dutra, Palocci, Luiz Dulci, Berzoini
e Marco Maia; pela Mensagem: Tarso Genro, Jaques Wagner, José Eduardo Cardozo e
Paulo Teixeira; pela Democracia Socialista: Miguel Rosseto, Guilherme Cassei,
Afonso Lourenço, Raul Ponte e Ana Júlia Carepa; pelo Movimento PT: Maria do
Rosário, Geraldo Magela, Arlindo Chinaglia e Fernando Ferro; pela Articulação
da Esquerda: Iriny Lopes, Valter Pomar e Altemir Gregolim; pelo Partido de Luta
e de Massa: Jilmar Tatto e Jorge Coelho; pela Novos Rumos: Marta Suplicy e
Vaccarezza; pela Militância Socialista: Renato Simões e Gilney Viana; e pelo
Trabalho: Markus Sokol e Serge Goulart (dissidente).
Há
um outro elemento que não se pode perder de vista: o “sistema político”,
juridicamente consagrado, e os “caciques políticos” que mais se destacam dentro
do sistema. Quem está do lado de fora dificilmente percebe o peso deste fator.
Com três campanhas políticas nas costas, duas a vereador (com sucesso) e uma a
prefeito (sem sucesso), pude verificar o quanto este fator é decisivo. Em
qualquer município brasileiro, grande ou pequeno, quase nada dentro das
agremiações partidárias acontece sem o aval de um número muito pequeno de
lideranças. Esta liderança, via de regra, não é conquistada por meio de um efetivo
trabalho de base junto à população, mas muito mais mediante um certo
“prestígio” que resulta de melhores condições financeiras para distribuir
benefícios à população (inclusive às candidaturas mais pobres dentro do próprio
partido). Um certo “coronelismo” não está alheio à cultura popular e sobrevive
até nas cidades, especialmente na seara política. Não há dúvida que a tradição
petista, neste ponto, é mais positiva do que as demais, uma vez que muitas lideranças
surgiram efetivamente das lutas populares. Mas na vida interna do partido, em
quase todos os lugares, os caciques definem o jogo a ser jogado (inclusive na
hora crucial das campanhas eleitorais).
Um
último ponto que devo ressaltar é o papel da disputa ideológica. Esta é
particularmente importante no caso do PT. Não dá para “interpretar” os fatos que
correm sem fazer menção a ela. Embora discutível, especialmente no caso do
sistema político brasileiro onde a “pertença” partidária é pouco programática,
ainda vale a tradicional divisão do campo ideológico entre partidos “da
Direita”, “da Esquerda” e “do Centro”. Propostas políticas existem aos
milhares, mas querer encontrar em mais de trinta partidos uma ideologia própria
que minimamente dê conta de traçar os rumos do país, é inútil. Trata-se de uma
evidente fraqueza do sistema. É muito importante perceber que, no fundo no
fundo, o divisor de águas é apenas um: maior ou menor presença do Estado na
vida dos cidadãos (daí o bipartidarismo de alguns países, como nos EUA). Quem é
“da Esquerda” opta pelo “Estado máximo”: controle total ou quase total sobre o
mercado, a mídia, e a vida social em geral. Quem é “da Direita” entende que
melhor seria um “Estado mínimo”: liberdade total, ou quase total, do mercado,
da mídia e da vida social em geral. Já os “do Centro” opinam que nem tanto ao
mar nem tanto à terra. Por motivos históricos, a disputa ideológica na Esquerda
é muito mais pronunciada do que na Direita. O PT não é exceção. Grupos
minoritários diversos – como vimos -, em nome de “teses teóricas” consideradas
inquestionáveis, sempre se opuseram a uma maioria partidária mais preocupada
com “práticas históricas” que estão dentro das viabilidades do momento. Lula e
um grande número de lideranças sindicais, dos movimentos sociais (e da Igreja)
estão claramente deste lado.
1.3 Um ensaio
interpretativo
O PSDB, na sua origem (1988),
surgiu como partido “de Centro”, tendo entre suas lideranças figuras ilustres de
grande destaque nacional. Sem dúvida não sem forte preocupação social. Uma
destas figuras era Fernando Henrique Cardozo, conhecido no mundo acadêmico como
ícone da Esquerda. Tive-o algumas vezes como professor na faculdade de Ciências
Sociais. Ganhar uma eleição, na atual estrutura política brasileira, sem uma forte
coligação partidária é praticamente inviável. Em busca da Presidência, tendo
FHC como candidato, o ainda jovem PSDB teve que fazer uma opção: coligar-se
pela Esquerda ou pela Direita. No jogo da disputa eleitoral, as belas teorias
ou convicções do programa partidário costumam passar para o segundo plano.
Impõe-se uma questão eminentemente prática: é ganhar ou perder. Nesta hora,
muitos sapos são engolidos. Tendo muito maior proximidade com a academia do que
com o campo popular (já ocupado pelo PT), e a cultura política popular ainda
fortemente influenciada pelos partidos tradicionais, as chances eleitorais do
PSDB indicavam uma coligação preferencial pela Direita. É o que foi feito. Em
1995, FHC dá início a seu governo. Com a Direita iniciou e com a Direita ficou.
Certos fatos políticos são historicamente muito relevantes. Em política
(democrática), devido ao papel central do Congresso, as coligações partidárias têm
maior peso político do que os partidos individualmente. No contexto nacional, frequentemente
em governança alternativa com o PT, o PSDB criou ares sempre mais à Direita. Os
dois partidos se tornaram inimigos figadais. Não se pode negar aí também algo
da cultura popular: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
No PT, em termos de disputa eleitoral, as coisas não
foram muito diferentes. As afinidades partidárias continuam existindo, mas
faz-se coligação com quem permite ganhar o jogo. Existe uma diferença, porém,
que é própria dos partidos da Esquerda: a disputa ideológica interna é muito
mais acirrada. Se há um acordo mútuo sobre a necessidade de se buscar o
“socialismo democrático”, mais ao encontro das necessidades populares (reforma
agrária, políticas sociais, etc.), isto não significa que existe um acordo sobre
qual socialismo e qual democracia. Desde o seu início, o PT se divide entre um
campo majoritário, mais pragmático, e um conjunto minoritário de tendências
mais radicais. A questão central de sempre: nada de apoio às políticas
neoliberais tipo FHC; queremos um “Brasil para todos”! Algumas correntes mais
radicais acabam sendo “expurgadas” do PT: o PSTU (1993), o PCO (1995) e o PSOL
(2004). Outras lideranças expressivas, decepcionadas, vão para o PSB, o PTB, o
PPS ou o PDT. Crescentemente, entre os mais bem intencionados, os mais éticos,
e entre os ideologicamente mais convictos, surge uma crítica comum: o PT se
tornou um partido de disputa eleitoral, igual aos outros!
Tudo isso, em parte, é verdade, mas ainda não permite uma
interpretação mais palatável para os fatos acima relatados. Para isso é preciso
entender melhor o “pragmatismo” do campo majoritário. Este, com o devido
respeito à diversidade das opiniões pessoais, se orienta pela seguinte
convicção comum: as belas teorias da
esquerda radical no momento são inviáveis; o que realmente importa é manter, a
qualquer custo, a hegemonia do PT para que as mudanças desejadas venham a
ocorrer o mais depressa possível. E lá vem a “carta ao povo brasileiro” (junho
de 2002), garantindo o respeito a todos os contratos (do capitalismo
neoliberal); lá vêm os adiamentos sucessivos da Reforma Agrária (a Constituição
exige desapropriação a preços de mercado), da Reforma Tributária (haja
Congresso), da Reforma Política (haja Judiciário), etc., etc. Manter a
hegemonia e garantir as próximas eleições, no entanto, continua a condição
“sine qua non”. Para não entregar o país à sanha do capitalismo financeiro
internacional, quase tudo é considerado válido. Mesmo a legislação existente,
imposta pelas classes dirigentes capitalistas por ocasião do Congresso
Constituinte de 1987/88 (com a força decisiva do então chamado “Centrão”), não
pode ser levada muito a sério. Se a Direita sempre se valeu dos meios mais escusos
para ganhar o jogo eleitoral (corrupção, caixa 2, controle da mídia, etc.), por
quê não montar também um esquema igualmente eficaz, mas desta vez,
justificadamente, a favor da Esquerda? Viva o povo brasileiro!
Não são apenas as tendências minoritárias do PT que têm
seus radicais. O campo majoritário também os tem. Poderíamos falar em “radicais
ideológicos” e “radicais pragmáticos”. O “caixa 2” em campanhas eleitorais é
uma prática quase universal (sempre foi). A justiça eleitoral é rigorosa na sua
legislação (a cada quatro anos costuma vir um novo pacote de exigências), mas
inteiramente ausente na fiscalização. Apenas as “formalidades legais” são
examinadas nos cartórios após o período da disputa dita “democrática”. Habituadas
a uma heroica resistência à ditadura na clandestinidade, algumas lideranças
petistas (do campo majoritário), passando por cima da legalidade democrática
conquistada, e tornando-se cada vez mais profissionais eleitorais partidários
em vez de profissionais da inserção popular, começam a aperfeiçoar o
tradicional esquema do caixa 2. Se as empresas estatais e as grandes empresas
nacionais, que utilizam verbas públicas, têm a obrigação de servir ao povo
brasileiro, qual o problema ético em tirar uma pequena parcela de seus grandes
lucros a favor dos interesses populares que (somente) o PT defende? É esta a
filosofia justificadora. A prática das coligações partidárias, porém, (não
esqueçam: é um ganhar ou perder) exige que ministérios e secretarias sejam
entregues aos partidos coligados “de porteira fechada”, isto é, com (quase) total
liberdade de compor os diversos níveis de governo. Pessoas dispostas a agir na
clandestinidade aí não faltam.
Certos
cânceres prosperam com a maior facilidade. Ainda mais que interessa também às
grandes empresas manter sólidas “amizades” com quem lhes pode garantir (hoje ou
no futuro) os contratos bilionários. Quanto mais estatismo, até melhor. Cada
vez mais o (clandestino) “esquema dois” se torna regra e adquire tamanho
monstruoso. Nem todos, porém, sabem da coisa. Há um zumzum que certos partidos
abusam demais, mas é melhor ficar quieto (por amor à causa). Partidos não
funcionam como empresas onde os controles são hierarquicamente estabelecidos.
Na verdade, em política, já que a eleição está próxima, é um cada um (ou cada
uma) por si. Nem o presidente (ou a presidenta) precisa saber de tudo. Sem
dúvida sabem dos esquemas e dos rumores, mas cabe aos quadros partidários
arcarem com suas responsabilidades.
Há um último detalhe a ser colocado. Embora,
partidariamente falando, a preocupação ética seja muito maior na Esquerda do
que na Direita (o que, também, ainda vale para o PT atual), mesmo os políticos de
viés popular não podem ser confundidos com uma comunidade de monges.
Normalmente são pessoas bem formadas, têm uma família a cuidar, e trabalham com
dedicação integral. Dificilmente encontraremos milhões em contas secretas no
exterior, mas a tentação de levar, direta ou indiretamente, algumas vantagens
pessoais ou familiares não deve ser descartada. A tentação, na política, está
sempre por perto. Acontece até nas Igrejas, não é mesmo? Houve algum tipo de “pedalada”
fiscal? Não duvido. A Lei de Responsabilidade Fiscal (do governo FHC!) não é
uma leizinha qualquer. Na verdade a lei é do tamanho de um livro, eivado de
severas exigências econômicas, todas juridicamente amarradas. O fervor
ideológico da Esquerda tende a passar por cima de alguns limites, e as
surpresas (econômicas) da realidade exigem medidas concretas e urgentes. Algum
lapso é fácil de acontecer. Na verdade acontece a toda hora em todos os níveis
de governo. Ao analisar as contas anuais de qualquer prefeitura, os Tribunais
de Contas não se cansam de repetir, anualmente, uma longa lista de “ressalvas”
acerca de tais deslizes. Mas quando a Direita se junta com o Centro não há chance
para a Esquerda. Leis, principalmente quando editadas em códigos, possibilitam
muitas interpretações. Algum golpe branco surgirá das nuvens. E assim deu o que
deu. É este o meu ensaio interpretativo, a ser aperfeiçoado quando se abrir o
último capítulo desta longa novela.
II
TEOLOGIA PÚBLICA E AS LIÇÕES DO PASSADO
Já observamos que a relação entre religião e política foi
sempre umbilical, e não apenas no chamado mundo cristão ocidental. Quando, no
mundo cristão, irrompeu a Modernidade com sua indisfarçável “devoção” ao método
científico, firmou-se uma espécie de “mito explicativo”: a religiosidade humana
passa por fases de conscientização, indo do nível mágico ao nível científico,
com a superação gradativa dos graus intermediários. Uma vez no nível
científico, qualquer religiosidade perderia sentido. A “sociologia científica” do
filósofo francês Auguste Comte (†1875) – com sua “lei dos três estados” - já lançou
os alicerces deste mito, mas muitos outros pensadores, frequentemente da
vertente marxista, seguiram pelo mesmo caminho. São, de fato, muito diferentes
as vivências religiosas das sociedades, e é difícil negar que também as pessoas
passam por modos diferentes de entenderem e viverem a sua fé na medida em que
avançam em idade, escolaridade e experiência de vida. Mas não parece existir
nesta evolução uma espécie de “determinismo histórico” em direção ao ateísmo.
Na nossa pós-modernidade, o “rumor de anjos”, citado pelo teólogo luterano
Peter Berger, está de volta. A filosofia dos dias atuais recoloca a religião e
a espiritualidade novamente em pauta. Desde a constatação do “indeterminismo
quântico” de Werner Heisenberg (†1976) e as “bifurcações aleatórias” de Ilya
Prigogine (†2003), o ser humano parece fazer sempre de novo, livre e autonomamente,
sua escolha entre muitas opções possíveis. Em nenhum lugar, porém, a “Vida”
evolui a partir do nada. Há sempre um passado e um “meio ambiente” que oferecem
as (muitas) opções possíveis.2 Na busca, individual ou coletiva, por
uma vida feliz, é das lições do passado e das possibilidades do momento que o ser
humano constrói o seu futuro. Em cada momento, sua fé (valores e sentidos), é
sua grande ferramenta. Na perspectiva de uma teologia pública, quais são para
nós, filhos e filhas da fé abraâmica, as grandes lições do passado?
2.1 Deus
tem lado político
Sejamos
judeus, cristãos ou muçulmanos, acreditamos num Deus que “vê a miséria do seu
povo” (Êx 3,7-9). Deus não apenas “vê”, mas decreta, sob severas ameaças, uma
libertação da escravidão (Êx 3,19-20). No Egito, o poder político está clara e
exclusivamente do lado do Faraó, mas Deus está do “outro lado”, do lado do povo
oprimido. Deus monta até sua tenda em meio a este povo na travessia do deserto
(Êx 33,7-11). Como sustentar que Deus não tem lado político? A Bíblia atribui o
início desta fé a Abraão e sua família. Fica difícil traçar um perfil desta
família quando os detalhes de sua história se escondem nas brumas do passado.
Alguns pontos luminosos, contudo, sobrevivem na memória viva do povo. A partir
de Abraão vem crescendo em meio às tribos semitas uma nova consciência
religiosa: se existem outros deuses, perto de Javé não são nada. Deus é um só
e, na verdade, não tolera outros deuses por perto. E o que faz este Deus ser
diferente de todos os outros? Exatamente sua imensa e incondicional compaixão
pelos membros do “seu” povo, em especial por aqueles ou aquelas que passam por
injustiças e privações. No Antigo Testamento, esta fé é “sistematizada” na figura
de Moisés. Se Deus está comprometido com seu povo, o povo deve estar
comprometido com seu Deus, e não pode haver falha. Amar a Deus sobre tudo, mas
também amar o próximo, pois é este o grande mandamento (Lv 19,17-18). No
Alcorão, até o pobre refugiado, Ismael, filho da egípcia Agar, quase esquecido
na tradição judaica (Gn cap. 16, 17 e 21), é reabilitado. Torna-se o grande pai
dos povos do deserto. No Alcorão, também, como entre judeus e cristãos, a
hospitalidade e o amor ao pobre são essenciais à fé. Nosso Deus comum – os
nomes pouco importam – sem dúvida tem este “lado”.
Não vamos aprofundar aqui cada ponto, mas o profetismo,
na terra de Israel, representa o grito permanente contra o lado opressor dos diferentes
reinados que se sucedem. Toda vez que o rei, ao invés de cuidar do povo como o
pastor cuida de suas ovelhas – ou quando até as rouba do pobre, como bem
lembrou o profeta Natan (2Sm 12,1-6) -, ele é, em nome do Deus da justiça,
severamente condenado. Isso é altamente significativo para quem confronta postura
religiosa e esfera pública. Quando o reino de Israel acaba e, no pós-exílio, a
elite do judaísmo, premida pela ameaça estrangeira, se agarra à Lei e ao
Templo, com um claro exagero legalista em prejuízo da preocupação com o pobre,
é Jesus quem coloca novamente sobre si o manto de Isaías para lembrar ao povo –
e aos governantes - de qual lado Deus está. O “ano das graças de Deus” não pode
ficar no esquecimento (Lc 4,16-21). Jerusalém, a cidade dos governantes, se
tornou a figueira seca e Jesus chora sobre ela (Lc 19,41-42). Por mais que o
Deus de Jesus seja um Deus de misericórdia, em seu Reino não há lugar para
cabritos; apenas para ovelhas (Mt 25,31-46). Julgando a partir dos livros sagrados
de judeus, cristãos e muçulmanos, qualquer esfera pública tem a vontade divina –
que se manifesta na vontade popular - por guia ou não se justifica. Deus nunca se
esquecerá dos escravos do Egito.
2.2 Não
se pactua com governos cujos deuses são pagãos
Nos
primeiros tempos do cristianismo, os cristãos, como também os judeus, viviam
numa espécie de “guetos religiosos”. A esmagadora presença e dominância do
império romano não possibilitava qualquer tipo de “pacto”. A “pax romana” até
incluía certa dose de tolerância frente às religiões dos povos dominados, mas,
na verdade, ela, como “religião de Estado”, se sentia imensamente superior a
todas as demais. Os cristãos até aceitavam “dar a César o que é de César”, mas
jamais deixariam de “dar a Deus o que é de Deus”, ainda que César quisesse
impor a sua vontade. Quem apresenta um belo retrato destas duas mentalidades
radicalmente opostas é o especialista na área, Eduardo Hoornaert. Permitam-me
expor algumas pinceladas do quadro que ele apresenta3: “Por ser um
Deus que acompanha seu povo, o Deus de Jesus dispensa altares, templos e
imagens, instrumentos pelos quais os romanos davam credibilidade e presença aos
seus deuses. Em Octávio X, 5, o cético romano Cecílio pergunta aos cristãos: ‘Onde
está este Deus se não tem templo, nem altar, nem imagem’?... Num processo de
séculos, a especificidade da cidade romana, expressa no foro, é varrida do mapa
e a basílica vai ocupando o lugar central, enfraquecendo a influência dos
notáveis, dos senadores, da antiga elite... Neste regime imperial, o imperador
é quem concede a graça ou a desgraça. Desta forma a basílica é ao mesmo tempo
templo e palácio, exprime a união entre o religioso e o político... Os cristãos
não aceitam esse tipo de liturgia: a nova Jerusalém simplesmente não tem
templo, nem altar, nem basílica” (Ap 21,22).
São
os filósofos romanos que melhor exprimem o que o império pensa sobre a
“esquisita” religião dos cristãos. O mais destacado, o filósofo Celso (aprox.
175 d.C), citado por Hoornaert nas mesmas passagens do livro, diz: “Apareceu
uma raça nova, nascida ontem, sem pátria, nem tradições, voltada contra todas
as instituições religiosas e civis, perseguida pela justiça, universalmente
qualificada de infame, mas que se gloria da execração geral: são os cristãos...
Um punhado de gente simples, grosseira, perdida moralmente, que constitui a
clientela ordinária dos embusteiros... Ignorantes, fechados, incultos e simples
de espírito, almas vis e ignavos, escravos, mulheres pobres e crianças...
tecelões de lã... sapateiros e calceteiros, gente de extrema ignorância e
destituída de qualquer educação, que dizem maravilhas a mulheres e crianças que
não têm mais juízo que eles mesmos”. O que chama a atenção de Celso é
especialmente a falta de fé dos cristãos e, na verdade, o seu ateísmo: “(Os
cristãos) são gente grosseira e impura... A sabedoria lhes é um mal e a loucura
um bem... São inimigos dos ricos..., sectários que querem fazer grupinhos à
parte e se separam da sociedade comum... adversários da cultura, que não querem
fazer o que todo mundo faz... A aversão dos cristãos contra templos, altares e
estátuas é como a marca e o sinal da união, secreta e misteriosa, entre eles, e
sua recusa em participar das cerimônias religiosas repousa sobre um conceito
errôneo sobre Deus.” O império e Deus se confundem. Diz Celso aos cristãos:
“Apoiem o imperador, ajudem-no na defesa do direito,... Estejam ao lado dele...,
tomem parte nas funções públicas para a salvaguarda das leis e a causa da
piedade... Que mal pode haver em procurar a benevolência dos que receberam seu
poder de Deus e em particular dos reis e poderosos desta terra? Que mal pode
haver em cultivar o espírito?” Hoornaert termina seu retrato, dizendo: “Para
Celso, pessoas como Jesus são da pior espécie. A prova cabal de que o
cristianismo é subversivo está no seu ateísmo. Os cristãos não aceitam os
deuses do estado e são, portanto, ateus”.
Há
uma forte radicalidade – quase, poderíamos dizer, um forte fundamentalismo - na
postura cristã frente aos deuses pagãos. Se, ainda hoje, queremos nos perguntar
qual a relação entre a fé cristã e a esfera pública, esta lição do passado não
pode ficar esquecida.
2.3 A
secularidade como expressão não-institucional e não-religional da fé
As
lições do passado são muitas, mas interessam-nos especialmente aquelas que,
ainda hoje, abrem uma janela para melhor compreensão da relação entre religião
e esfera pública. Não vivemos mais no longo tempo histórico em que se aceitava
com certa naturalidade o papel dirigente da religião na sociedade. Se o próprio
Deus caminha à frente dos exércitos, as batalhas costumam ser sangrentas, como
de fato foram e continuam sendo onde esta mentalidade ainda impera. Os
jihadistas – entre os outros e entre nós - que o digam. A Modernidade não caiu
do céu como que por acaso. Ela veio como resposta ao muito joio sempre presente
em meio ao trigo, como Jesus bem observou (Mt 13,24-30). O Concílio Vaticano II
não deixou de perceber que “as sementes do Verbo” (Ad Gentes, 11) estão escondidas por aí, no coração do povo. Entre
nós, elas deram origem ao mundo cristão, como também ao mundo judeu e ao
muçulmano. Mas a semente que germina depende do chão onde ela foi lançada,
depende do sol e da chuva, como também do lavrador que dela cuida. Nem sempre
as sementes produzem colheitas boas (Mt 13,23). É o que acontece com as
religiões que são expressões humanas – às vezes por demais humanas – das
sementes que o Espírito espalha, copiosamente. Como é doloroso observar, com
humildade, todos os males que a incontornável institucionalização da fé
produziu no decorrer dos quase 4000 anos desde que Abraão saiu “de Ur dos
caldeus” (Gn 11,31), em busca de um futuro mais feliz!
A
Modernidade veio como resposta à cultura árabe que adotou um espírito
guerreiro, embora Alá seja um Deus de paz; ao orgulho etnocêntrico do povo
judeu, embora o Deus de Israel faça chover igualmente sobre bons e maus (Mt
5,45); veio especialmente como resposta a uma Igreja cristã que se proclamou a
única dona da verdade, embora Jesus tenha dito que o Espírito sopra onde quer
(Jo 3,5-10). Os arautos fundadores da Modernidade se proclamaram cansados das
guerras religiosas sem fim, do fechamento arrogante e persistente da Igreja
frente aos avanços da ciência, e da mão pesada de eclesiásticos querendo manter
o domínio sobre as consciências individuais e coletivas. Com o passar do tempo,
a Modernidade foi se afastando cada vez mais da fé, da religião e das Igrejas,
até se declarar totalmente independente. Proclamou-se a separação total entre
Igreja e Estado, como também a laicidade como o melhor caminho para decisões na
esfera pública. Chegou-se a um consenso generalizado? Entendo que não. A nossa
modernidade avançada levanta novas bandeiras, e a religiosidade está novamente
em pauta. A “teologia pública” está em busca de uma nova sistematização.
A
palavra “secularização” exprime bem o longo processo de separação entre Igreja
e Estado. São muitas as análises feitas a respeito. Na perspectiva deste artigo
gostaria de ressaltar uma aproximação que, a meu ver, tem um significado
especial para o atual momento. Destaco a tese mais lembrada do filósofo,
jurista e cientista da religião, Carl Schmitt (†1985). Em sua Teologia Política, cap. 3, afirma:
“Todos os conceitos significativos da teoria moderna de Estado são conceitos
teológicos secularizados”. São ou não são? Todas as concepções têm a marca da
época. Observando a grande distância entre os benefícios sociais apregoados
pelas “democracias liberais” de sua época e a escassa satisfação da população,
decepcionada com as intermináveis disputas entre partidos, intelectuais,
parlamentares, regiões, agremiações diversas, etc., Schmitt se convenceu que
havia incompatibilidade entre o liberalismo e a autêntica vontade popular. O
interesse público seria mais bem servido com governos fortes libertados das
amarras legais do Estado de Direito. Pronto, com Hitler em ascensão, o polêmico
político alemão foi logo apelidado de “jurista de Hitler” e “coveiro do
liberalismo”. Schmitt, é verdade, nunca negou sua simpatia pelo nazismo, nem se
desligou do partido do nacional-socialismo alemão, mas também nunca negou que
sua opção de fundo era pelo respeito à “vontade popular”. Vemos aqui uma típica
opção partidária da Direita com base numa intenção típica da Esquerda.
Observador
atento da vida da Igreja tenho, com frequência, notado que algo muito parecido
é bastante comum nas instituições religiosas. O discurso é da Esquerda, mas o
voto e as simpatias vão para a Direita. No Brasil, um exemplo elucidativo
ocorreu no início da ditadura militar quando o episcopado católico,
majoritariamente, - e com o melhor das intenções - se posicionou a favor do
golpe. Esta comum ambivalência entre intenções ou discursos e práticas
políticas não é, contudo, própria da Igreja. Ela pode ser encontrada em
qualquer lugar: na academia, no judiciário, nas boas organizações da sociedade
civil e, também, nas classes privilegiadas. Em certo período da minha vida tive
a oportunidade de trabalhar intensivamente junto a um grupo expressivo de
empresários bem sucedidos, professores/as, e militantes sociais de uma classe
bastante privilegiada. Poucas vezes encontrei um grupo tão preocupado com justiça
social, e tão seriamente envolvido com uma efetiva recuperação ambiental.4
No entanto, que eu saiba, todos votavam no campo do “Centro/Direita”. O mesmo
vale para a classe política. Sem dúvida há uma parcela que se encontra nela por
pura malandragem, ou pela simples intenção de manter privilégios, mas a maioria
dos políticos, mesmo entre os “da Direita”, estão aí para defender o que
entendem ser os mais altos “valores” sociais (justiça social, bem-estar
coletivo, equilíbrio ecológico, desenvolvimento agrícola, etc., etc.), e o que
faz mais “sentido” na busca por um futuro melhor para o país. Todos esses
“valores” que fazem “sentido”, exatamente por serem “valores” são todos eles
profundamente “religiosos”. Embora em outro contexto histórico, creio que é
nesta perspectiva que Schmitt afirmava que “todos os conceitos significativos
da teoria moderna de Estado são conceitos teológicos secularizados”. A
secularidade, na sua essência, não é a exclusão da fé; é, antes, a expressão
secularizada e não-institucional da própria fé. Fé, religião e espiritualidade
não constituem o monopólio das Igrejas. Trata-se de uma “constante
antropológica”, dizem alguns.5
III
DESAFIO DA TEOLOGIA PÚBLICA: RECUPERAR A FUNÇÃO PÚBLICA DA “RELIGIOSIDADE”
A separação
entre Igreja e Estado, no Brasil, veio relativamente tarde. Apenas com a proclamação
da República, em 1889, o velho regime do Padroado foi descartado e o país
começou a ser governado, oficialmente, por governos laicos. Uma simples
“proclamação”, porém, não muda a realidade. Mudanças em profundidade são sempre
fruto de longos processos históricos. Assim como um arraigado anticlericalismo
já estava presente antes da criação da República, assim também um forte
predomínio católico continuou presente depois dela. O divórcio entre Igreja e
Estado se consolidou aos poucos. Perdendo parte de seu poder e visibilidade, a
primeira opção preferencial da Igreja (Católica) do Brasil foi pela classe
média, priorizando especialmente a educação. Afinal, quem tem as crianças e os
jovens, assim se pensava, tem o futuro. Apesar da República – ou, talvez
melhor, por causa dela -, a “romanização” da Igreja do Brasil estava a pleno
vapor. Suas três características principais, na opinião do grande estudioso, Riolando
Azzi, a centralização, a clericalização e a espiritualização, moldam os novos
tempos.6 Novas Congregações Religiosas vêm para o Brasil e aumenta
consideravelmente o clero estrangeiro. Não apenas nas escolas, mas também nas
paróquias, mediante novos movimentos religiosos, as crianças e os jovens são
catequizados no melhor do figurino ultramontano. O pobre, o povão, as classes
menos privilegiadas não estão inteiramente fora do foco da Igreja – alguma
forma assistencialista está quase sempre presente -, mas não fazem parte da
opção preferencial. Existe por toda parte uma forte religiosidade popular, mas
ela é olhada com desconfiança. Genericamente falando, a Igreja “se afina” com
os mais bem de vida.
O Concílio Vaticano II (1962/65) e a Conferência de
Medellin (1968) trouxeram para a América Latina, e especialmente para o Brasil,
mudanças profundas. A que mais mexeu com as entranhas da Igreja foi a opção
preferencial pelos pobres. Uma guinada e tanto. Uma nova visão sobre a
realidade brasileira – alimentada pela “teoria de dependência” – trouxe também
uma nova teologia e novas posturas pastorais. A teologia da libertação, as CEBs
e as Pastorais Sociais deram à Igreja do Brasil até um certo destaque
internacional. Hoje, com a vantagem do olhar retrospectivo, percebemos melhor
que a profundidade e o alcance das mudanças não foram tão amplas e profundas
quanto se pensava. O conhecido analista social, Pedro Assis Ribeiro de Oliveira,
nos lembrou recentemente que a “força” da Igreja – especialmente junto à
“esfera pública” – não depende tanto do número de seus adeptos, mas
principalmente de sua capacidade de criar um “clima ético” que empurra o país
na direção das mudanças desejadas.7 Por algumas décadas até parecia
que a Igreja era capaz de dar um novo rosto à sociedade brasileira. Em parte,
de fato era. Mas impôs-se, desta vez de forma negativa, a força da
centralização romana. Um novo episcopado e um novo clero reintroduziram o
modelo clássico da Igreja, mais preocupada com sua vida interna e menos voltada
para mudanças na esfera pública. Sem questionar as boas intenções, falta
comprovar ser esta a proposta do Evangelho.
A tese não encontra nenhuma simpatia na área das ciências
sociais, uma vez que processos sociais não são idênticos em contextos sociais diferentes,
mas o Brasil tradicionalmente “católico” parece passar por um processo muito
parecido ao europeu: primeiramente uma forte “protestantinização” – de cor fortemente
pentecostal entre nós – e depois uma tendência forte à secularização. Em muito
pouco tempo, o pentecostalismo ocupou uma quarta parte do público
tradicionalmente católico. Não se prevê uma diminuição rápida do processo. Na
área onde atuo, os evangélicos, no meu cálculo – sem base em pesquisa – são
cinco vezes mais fortes, tanto em número de praticantes quanto em empenho
missionário. Os sinais de uma crescente secularização, especialmente nas áreas
urbanas, são bem visíveis. Grande parte da população que veio do interior com alguma
bagagem religiosa rompe com os costumes tradicionais. Não há mais povo ilhado
ou intocado frente ao estilo de vida da Modernidade. “Destradicionalização” e
“perda do sentido da autoridade” são duas de suas características mais citadas.
As pertenças religiosas se tornam muito efêmeras. Ninguém deixa de lado suas
convicções mais profundas, seus valores mais acalentados ou sua busca pessoal
para encontrar o sentido das coisas, mas nenhuma Igreja “comanda” a vida das
pessoas.
A
classe média (e alta), agora escolarizada e, em parte, plenamente engajada na
economia capitalista moderna, adotou uma cosmovisão muito mais laica. Em alguns
momentos da vida social ainda aprecia, formalmente, as cerimônias da Igreja,
mas lamenta que uma parte do clero agora deu de defender, politicamente, a
causa popular. Já a classe pobre continua alimentando-se de uma religiosidade
popular tradicional, mas agora de uma forma muito mais fluida, aberta à
influência pentecostal dentro ou fora das comunidades católicas. Muitíssimas de
suas lideranças, porém, que dedicaram boa parte da vida à “caminhada das CEBs”,
ou às Pastorais Sociais, se sentem injustamente abandonadas e não se conformam
com a assim denominada “volta à grande disciplina”. Para estas lideranças, a
Igreja mantém sua opção preferencial pelos pobres e pela causa das classes
populares, ou ela é infiel a Jesus Cristo e ao Evangelho. Muitos/as já não se
sentem à vontade no atual contexto eclesial e, perdendo sua mística
tradicional, se secularizam, por assim dizer, “a contragosto”. Contudo, também
nas camadas populares comuns, a tendência secularizante é claramente visível.
Nossa pergunta, novamente, é essa: nesse atual contexto sócio-político e
religioso, qual a cara de uma teologia pública ajustada à realidade do momento?
3.1 Governos
radicalmente laicos impossibilitam a autêntica democracia
As democracias atuais, no mundo inteiro, perderam sua
credibilidade. Não as democracias em si, mas o que foi feito delas. Não apenas
os melhores analistas, mas o próprio povo percebe hoje que não passam de
“fachadas”. Multidões cada vez maiores vão para as ruas empenhando faixas
dizendo “vocês não nos representam”. Ou então a faixa “nós somos os 99%”. A
insatisfação é generalizada. No Brasil, a revolta popular de junho de 2013 pela
primeira vez demonstrou a força das redes sociais pondo na rua uma imensa
“multidão não organizada”. O que aconteceu com as tão sonhadas liberdades
democráticas? A influência das Igrejas foi afastada; a influência das elites
econômicas entrou em seu lugar. Uma nova proposta salvadora veio substituir a
antiga. Nenhum símbolo religioso falta à religião neoliberal, como muitos já
mencionaram: a misteriosa presença de um Deus chamado mercado; bancos e
supermercados - reclamando por uma frequência regular e fiel - substituem os
antigos templos; empresários, como novos e bem formados sacerdotes, distribuem
agora os valiosos e indispensáveis bens materiais; e há até a presença de uma
central internacional com seus dicastérios, uma espécie de Vaticano leigo que
julga qual o país que está no rumo certo e qual a doutrina econômica, única e
certa, que não pode ser confrontada. O esforço, deve-se reconhecer, foi imenso,
mas não funcionou. As belas fachadas escondem prédios em ruína. A máscara caiu.
Se esta é a realidade internacional, o que dizer do
Brasil? Porque ruiu como castelo de cartas uma proposta governamental que teve
considerável apoio das Igrejas e do povo cristão? Porque a hegemonia petista
falhou apesar dos reconhecidos avanços sociais? Não gostaria de simplificar
demasiadamente as coisas, mas entendo que uma das principais razões foi a
“laicidade” adotada como princípio de governo. A afirmação requer esclarecimento.
Entendo que qualquer governo, hoje, deve ser laico, no sentido de não se deixar
teleguiar por esta ou aquela Igreja, esta ou aquela religião. Fazendo isso
deixaria de ser democrático, uma vez que hoje as opções religiosas são
diversas. Mas existem convicções, valores e sentidos básicos que são comuns a
todas as religiões. Eles podem ser encontrados, igualmente, nas pessoas que se
declaram não-religiosas. Estes valores comuns se referem a conceitos e práticas
que envolvem, entre outros: distribuição justa da riqueza, comportamento ético,
preservação ecológica, oportunidades iguais para todos/as, atenção aos mais
pobres, respeito aos direitos humanos, liberdade de consciência, etc. O esforço
democrático existe exatamente na defesa destes interesses comuns contra as
investidas de minorias privilegiadas. Qualquer governo que abandona ou deixa de
lado estes interesses populares comuns – que, em sentido amplo, são sempre
valores “religiosos” – encontrará, mais cedo ou mais tarde, forte rejeição. Ao
abandonar sua tradicional proximidade com as reivindicações populares e
priorizar fortemente um objetivo meramente partidário, faltando inclusive com a
ética pública, o PT e sua coligação foram rejeitados pelo povo. Sua “laicidade”
radical precipitou sua queda.
3.2 Apenas governos com “lado
religioso” se justificam
O título deste
tópico é propositadamente provocativo. Apresso-me a repetir que o “religioso”
aqui deve ser entendido em seu sentido amplo, não-institucional e até não-religional. Numa reflexão sobre
teologia pública isso faz muito sentido. “Deus tem lado político” foi dito
acima. Isso quer dizer: Deus estará sempre do lado de quem sofre qualquer forma
de injustiça ou marginalização. Nos últimos tempos, tanto a teologia quanto a
reflexão bíblica tem insistido na presença “imanente” de Deus, uma presença
“interior” – não no sentido panteísta - às próprias “realidades terrestres”.
Também o conceito de “Reino de Deus” tem sido melhor explicitado nesta
perspectiva. Jesus, sem dúvida, não perdia de vista a expectativa escatológica,
mas também não há dúvida que, antes de se concretizar no céu, o Reino deve ser
concretizado na terra. Por isso, cada vez que uma política pública favorece a
“vida plena para todos/as” (Jo 10,10), ela constrói o Reino e é, portanto,
“religiosa”, ainda que não use o termo. Neste
sentido, “todos os conceitos da teoria moderna de Estado são conceitos
teológicos secularizados”, diria C. Schmitt.
Durante um
longo período o PT recebeu apoio de amplos setores das Igrejas. Hoje este apoio
é bem mais discutível porque, com o passar do tempo, como vimos, o PT se
afastou de sua raiz “religiosa”. Sem uma autocrítica muito forte será difícil
recuperar o prestígio perdido. Por princípio, a Igreja não tem compromisso com
partido algum. Sua missão é única e exclusivamente “religiosa”, sempre no
sentido amplo acima referido. A Igreja não tem partido, mas tem “lado”. Creio
ser este o ponto essencial da relação entre Igreja – também sob ponto de vista
institucional – e a esfera pública. Por terem sido incondicionalmente fiéis a
este “lado” político, quer dizer, ao lado dos escravos explorados e não ao lado
dos faraós, os profetas de Israel, inclusive Jesus, foram todos rejeitados. Os
primeiros cristãos, obstinadamente, se opuseram aos deuses pagãos – entre os
quais Cézar – do império romano. Não pactuaram com o império, e assim o
venceram. Apenas acolheram as benesses do império quando o imperador
Constantino († 337) se colocou do lado deles – atribuindo a si o título de “bispo
de fora” - e mais ainda depois quando Teodósio I, em 380, “oficializou” a fé
dos cristãos. Aí, pela primeira vez, a
Igreja enfrentou o desafio de estar “do lado do poder”. E, com a melhor das
intenções, equivocou-se quando, cada vez mais, atribuiu a si também o poder
político.
Conclusão
É esta a
eterna tentação dos mais bem intencionados, dos mais dedicados e dos mais
aptos, isto é, das lideranças: assumir o poder em nome de todos e todas. Nesta
perspectiva C. Schmitt até abençoou o nazismo, mas, a história comprova, desta
forma não dá certo. Deus faz chover sobre bons e maus (Mt 5,45). Seu Espírito
foi derramado sobre “toda a carne” (At 2,16-17). Buscar o bem comum faz parte
da “lei natural” do ser humano, dizia São Tomás de Aquino (†1274). O papa Bento
XVI falava de uma “gramática” inscrita no coração das pessoas. Trata-se de uma
“constante antropológica”, afirmam outros. A própria “consciência” humana,
biologicamente, aflorou como o mais aperfeiçoado mecanismo em defesa da
felicidade, individual e coletiva. Ninguém, impunemente, passa por cima da
“vontade popular”. Não existe apenas o trigo, é verdade, há também o joio, e
sempre haverá. A tentação dos mais bem intencionados é querer arrancá-lo logo
(Mt 13,28), ou mandar o fogo do céu sobre os maus, mas Jesus advertiu: “não
façam isso” (Lc 9,54-55). Os maus precisam de tempo para que, interiormente e
por vontade própria, se convertam. Deus pede paciência histórica. Cada vez que
um grupo de “iluminados” toma o poder e passa por cima da vontade popular, um
fracasso se aproxima. Não funcionou o “totalitarismo” eclesiástico, até hoje presente
no Vaticano e no jihadismo religioso, nem o totalitarismo “da Esquerda” (seja
russo, chinês ou cubano) e nem funcionará o totalitarismo neoliberal “da
Direita”. É preciso dar vez ao Espírito, presente (apenas) no coração de
todos/as que buscam o bem comum. Os/as bem intencionados/as, neste sentido, se
encontram, politicamente, até “na Direita”, e não são poucos/as, embora tendam
a agrupar-se mais “no Centro”. No momento histórico atual, a opção mais
promissora – e talvez mais duradoura - para o PT e a Esquerda brasileira em
geral seria tentar uma coligação unindo forças da Esquerda com forças do
Centro. Tendo a simpatizar com essa ideia. Há poucos dias participei – a
convite – do lançamento do “Comitê Diadema” da “Frente Brasil Popular”. Ecoam
ali os gritos fortes de “fora Temer” e “golpe nunca mais”, mas também estão
presentes os que não querem percorrer, mais uma vez, o mesmo caminho. A (sempre
religiosa) ética popular deve estar acima dos interesses eleitorais. O que vai
acontecer, somente o futuro dirá. Para os/as “da Igreja” apenas um caminho está
aberto: governos sem “lado religioso” não se justificam.
1) Cf.: Vida Pastoral,
jan./fev. de 2012, p. 10-23.
2) Cf.: Vida Pastoral,
maio/junho de 2011, p. 8-23.
3) Eduardo Hoornaert, Os
cristãos da terceira geração (100-130), Ed. Vozes, p. 114ss.
4) Cf. Vida Pastoral,
nov./dez. de 2011, p. 21-35.
5) Erik Borgman, Metamorfosen
– Over Religie en Moderne Cultuur ,
Uitg. Klement/Pelckmans, 2004, p. 65; e Edgar Morin/Anne Brigitte Kern, Terra-Pátria, Ed. Sulina, Porto Alegre,
1995, p. 60-62.
6) Riolando Azzi, REB,
nº 262/2006.
7) Pedro Assis Ribeiro de Oliveira, REB, nº 266/2007
Nicolau João Bakker, svd*
R. Juruá, 798
Jardim Paineiras
09932-220 Diadema, SP/BRASIL
E-mail: nijlbakker@hotmail.com
Para consulta aos artigos do autor, acessar:
<artigospadrenicolausvd.blogspot.com.br>
*Missionário do Verbo Divino, svd,
sacerdote, formado em filosofia, teologia e ciências sociais. Atuou sempre na
pastoral prática, rural e urbana. Em São Paulo, atuou também como educador no
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, de Campo Limpo (CDHEP/CL),
coordenando o programa de formação de lideranças eclesiais e o de combate à
violência urbana. Lecionou Teologia Pastoral no ITESP (Instituto de
Teologia/SP). De 2000 a 2008 foi auxiliar na pastoral e vereador, pelo PT, no
município de Holambra, SP. Representou a CRB no Conselho Estadual de Proteção a
Testemunhas (Provita/SP). Atualmente atua na pastoral paroquial de Diadema, SP.
Nos últimos anos publica regularmente artigos pastorais em: REB, Vida Pastoral, Verbum, Convergência e
Grande Sinal.